segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Princesas precoces

Que boneca, que nada. Hoje em dia, as
menininhas querem mesmo é maquiagem,
celular e roupa de grife


Se ser criança é mesmo um período mágico, inocente, encantador, quem quiser aproveitar tem de correr: a infância está cada vez mais curta. Principalmente para as meninas. Seja porque os costumes mudaram, porque a televisão extrapola ou porque o axé provoca, a precocidade da atual geração de pré-adolescentes é flagrante. O aniversário de 9 anos da paulistana Mirella Camanho foi comemorado em um salão de beleza, onde ela e nove amiguinhas se divertiram com o arsenal a sua disposição: pintaram as unhas, fizeram escova no cabelo e foram maquiadas. A festa da curitibana Camila dos Santos, da mesma idade, foi mais convencional. Teve salão de festa transformado em boate, com direito a luz estroboscópica, DJ e, no lugar de bolo e brigadeiro, jantar à base de estrogonofe. Muito gente grande, sem dúvida, mas o tipo de balada evitado ultimamente pela carioca Dora Ghelman, 8 anos. Preocupada com o que considera alguns quilos a mais, ela tirou o arroz do cardápio, evita doces e guloseimas e se pesa todo dia na balança de casa. Mirella, Camila e Dora são o retrato das meninas de 7 a 12 anos, um clube de princesinhas precoces, exigentes e decididas, que, cada vez mais, trocam a brincadeira de casinha e boneca por horas na frente do espelho, modelitos produzidos ou altos papos. "Nos últimos anos, o comportamento das meninas vem mudando radicalmente", comenta o pediatra Gláucio José Granja de Abreu, 33 anos de profissão. "Elas estão se vestindo como adultas, tendo preocupações de adultas, querendo ser e, muitas vezes, sendo cobradas a agir como adultas antes da hora."

Não é só por fora que as meninas estão crescendo rápido. Por dentro também as mudanças se aceleraram. Pesquisas feitas nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil comprovam que a idade média da primeira menstruação, que no começo do século XX variava entre 14 e 15 anos, hoje está entre 10 e 11 anos. Os motivos são objeto, apenas, de especulação. Fala-se da alimentação mais reforçada, que aceleraria o amadurecimento, da disseminação de agentes químicos na vida moderna e até numa influência pesada da ecologia social. "Esta geração de meninas está tão erotizada, vem recebendo tantos estímulos para ficar moça que o cérebro acaba enviando sinais que detonam a produção dos hormônios mais cedo", afirma Jonathas Soares, ginecologista do Hospital das Clínicas e do Albert Einstein, de São Paulo. Até o dente de siso, aquele que nascia quando o adolescente começava, em princípio, a criar juízo, a partir dos 16 anos, se antecipou e está despontando na boca das meninas por volta dos 13 anos.


Mirella (sentada) com uma amiga, no cabeleireiro que escolheu para a festinha de 9 anos: durante duas horas, dez meninas se divertiram fazendo unha e cabelo com profissionais

Não é de hoje que as meninas sonham em parecer adultas. Aos 7, 8 anos, todas as garotas sempre adoraram passar batom e desfilar pela sala com o sapato de salto da mãe. O que mudou foi, principalmente, o poder de fogo das crianças para fazer valer sua vontade e o fato de os pais encararem com naturalidade cada vez maior – e às vezes até estimularem – o desejo da menina de parecer gente grande. A influência dos meios de comunicação evidentemente é enorme, e não apenas no Brasil, a terra do tchan cultuado em programas infantis. O endocrinologista americano Leann Birch, da Universidade da Pensilvânia, passou um ano analisando centenas de fichas de consultórios de pediatras e observou que menininhas de 5 anos – 5 anos! – já se preocupam com o peso e pensam em fazer dieta. "Nem elas escapam da pressão social, que privilegia a magreza. Boa parte, aliás, diz que é a mãe que insiste nisso", declarou o médico a VEJA. "A imagem corporal mudou e as meninas querem ser altas, magras e moças cada vez mais cedo", concorda o pediatra Mauro Fisberg, uma das maiores autoridades em nutrição infantil do país.

No esforço muito adulto para manter a forma, a paulista Maíra Silvestre Nunes, 12 anos, além de fazer regime, passa as tardes na academia, onde pratica musculação e tem aulas de axé – estas menos pelo exercício e mais para não fazer feio nas festas. "Não penso em ser modelo, mas acho importante ter um corpo legal", diz Maíra. Depois do peso, o item mais vital na lista de quesitos básicos para a felicidade da adolescente precoce é o cabelo. Cintia Raquel Ramos, 11 anos, de São Paulo, vai todo mês ao salão de beleza fazer trancinhas afro na vasta cabeleira e coleciona presilhas, tererês e elásticos de todo tipo. Vaidosíssima, adotou o bindi, a pedrinha que as indianas colam entre as sobrancelhas. "Sou como minhas amigas: adoro um enfeitinho", assume.

Nova fronteira – Ser, fazer, falar e aparecer igualzinho a seus pares é outra preocupação típica da adolescência que aparece cada vez mais cedo na vida das meninas. "As garotas estão sendo pressionadas a lidar com questões típicas de adolescente antes de chegar lá", alerta Whitney Roban, psicóloga da Girl Scouts of The USA, nome da versão feminina dos escoteiros nos Estados Unidos. "Elas podem até estar fisicamente maduras e ter informações suficientes, mas não estão emocionalmente preparadas." No começo deste ano, uma pesquisa encomendada pela organização entrevistou 1.200 americanas entre 8 e 12 anos e constatou que, na hora do vamos ver, essa pose de quase adulta é só fachada. Ao contrário das adolescentes, as meninas não querem distância dos pais. Mais: 79% pedem conselhos à mãe, porque a melhor amiga até pode compartilhar um problema, mas dificilmente oferecerá uma solução.

Graziella, 7, no quarto; armário de quatro portas lotado de roupas

Preparadas ou não, as menininhas-moças são máquinas de comprar coisinhas. Exigentes (com os pais, provedores da mesada) e informadas (com a rede de amigas), elas são a nova fronteira do mercado, especialmente de moda. Grifes conhecidas lançam versões juvenis, e neste mês até a Vogue, a bíblia da moda, rendeu-se: acoplou a sua edição americana uma Teen Vogue, para garotas de até 16 anos. No Brasil, o instituto de pesquisa de mercado Marplan começou a acompanhar esse público nas nove principais regiões metropolitanas do país em 1994. Na época, metade das meninas entre 10 e 14 anos decidia a marca de suas roupas e calçados; no primeiro semestre deste ano, eram 70%. "Minha filha sabe o que quer e não pergunta minha opinião", conta Lenah Cutait, de São Paulo, mãe de Graziella, de 7 anos. "Não posso nem arrumar a mala para a viagem do fim de semana porque, se não forem as roupas escolhidas por Graziella, ela simplesmente usa só a do corpo." Dona de uma dúzia de pares de tênis e sandálias, um armário de quatro portas lotado de roupas e um cabide especial só com fantasias, Graziella acorda às 6 e meia para discutir com a melhor amiga o que usar na escola. "Adoro roupa", diz.

Segundo a pesquisa da Marplan, 80% das meninas usam maquiagem de verdade, 73% pintam as unhas e 87% não dispensam perfume. A morena Fernanda Russo, 11 anos, faz mechas em tom avermelhado nos cabelos e, apesar da dor, insuportável até para muitas adultas, não dispensa a depilação com cera quente. "Faço balé e vivo com as pernas à mostra. Acho horríveis aqueles pelinhos aparecendo", explica Fernanda, que tem conta no salão de beleza do bairro. "Elas não querem mais saber de trocar a roupa e arrumar a boneca, se podem fazer escova no próprio cabelo e passar esmalte de verdade", diz a psicóloga Vera Rezende, do Núcleo de Estudos e Assistência à Infância da Universidade Estadual Paulista, a Unesp. "Consideram-se mocinhas e querem viver o real, não o faz-de-conta."

Quando a menstruação começa aos 10 anos, aos 9 o nível hormonal já está alterado e o corpo, dando sinais de mudança: os seios crescem, os pêlos aumentam e as curvas femininas começam a se formar. Por causa disso, o sutiã virou peça indispensável no guarda-roupa mirim. "Meus seios já estão aparecendo. Chamam a atenção", diz Sthefany Fuoko, 9 anos, dona de seis sutiãs de cores diferentes. Decotes, saias curtas e blusas justinhas, no caso dessas meninas, têm pouco a ver com o objetivo primordial do guarda-roupa sensual (atrair o sexo oposto). Na faixa dos 8, 9 anos, meninas não ligam para meninos. As mais velhas, com 11, 12 anos, já ficam – traduzindo-se ficar por dar beijinho na boca e passar a festa inteira dançando com o mesmo garoto –, mas raramente passam disso. "Converso sobre sexo com minha mãe sem problemas. Mas nem eu nem minhas amigas pensamos em transar tão cedo", afirma, com grande segurança, Catarina Mestre, 12 anos, freqüentadora assídua das matinês de uma danceteria de São Paulo. "Já dei beijo na boca, mas gosto mesmo é de me divertir dançando com meu grupo."

Acompanhar o ritmo dessa turma avançadinha costuma deixar os pais com um frio no estômago e um buraco na carteira. O sonho de consumo do momento balança entre um patinete, de preferência importado, e um celular – este, outro indício da adolescência antecipada: as menininhas são loucas por um telefone. Carolina Pereira, 12 anos, já tem o seu. A irmã Gabriela, 11, vai ganhar um no próximo aniversário. "Não posso correr o risco de não ser encontrada pelas minhas amigas", diz Carolina, que, além do celular, passa horas batendo papo pela internet. Para os pais preocupados tanto com a conta quanto com a precocidade, os especialistas dizem que não há muito o que fazer. "Não adianta reprimir", afirma o pediatra Gláucio. "A única atitude a ser tomada é não estimular, ou seja, não cobrir de elogios a filha muito nova que aparece de batom ou roupa justinha." Fácil de falar. Difícil é convencer a filhota querida a trocar a minissaia de oncinha pelo infantilíssimo vestido de babadinhos.

Foto Rui Mendes
As irmãs Carolina, 12, que já tem celular, e Gabriela, 11, que vai ganhar: importante é poder falar com a turma


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